segunda-feira, 29 de novembro de 2010

tocar-se

olhar o mar, escutar o mar, estar no mar, tudo ajuda a caminhar
ou, no seu caso, a correr.
depois dos tempos de inércia, veio uma vontade danada de correr,
e aquele parecia um dia de verão qualquer.
mas não era.
nem lembrava há quantos anos não se via só
ou quanto tempo não se permitia pequenas e secretas aventuras.
seu pensamento, sempre focado no desejo do outro, ou, se não bem isso,
nada focado no seu próprio desejo.
na noite anterior, calor, tanto calor que nada podia tocar o corpo, deitada
escutava suas músicas prediletas, cada música uma lembrança,
algumas intensas, outras divertidas, lembrava e
sorria ao lembrar, deixou fluir,
começou a lembrar detalhes
e, lentamente, permitiu se dar prazer,
resgatava nela a capacidade de se tocar, ritmar, sentir, lembrar, molhar, gozar
carinhos com música, carinhos em todo o corpo,
sentindo cada toque.
depois a paz, o silêncio da rua, o cantar do mar cadenciado, o sono.
porque não fazia mais vezes isso?
tão bom, tão básico, tão essencialmente feminino.
deve ser assim o encontro feminino, cuidando de cada detalhe, sentindo com o toque e pulsando, dando o ritmo.
ela sabia qual o significado.
a vivência estava nela, dentro dela.
outro dia e sair, caminhar, sentir, ir e vir,
vento forte, dia nublado, mar mexido.
resolveu gastar, exercitar, suar, se possível gritar.
e, quando, novamente com sua música, saiu a caminhar, o céu ficou azul, o sol forte, o verão pleno, vento, tanto vento que jogava os cabelos pra trás, servia de resistência, forçava cada passo, e ela, com sua música, sorria novamente,
lembrava das brincadeiras da manhã com sua filha, lembrava de amigos, amores e assim caminhou por horas, sentindo, sorrindo, feliz, plena.
era isso que precisava.
já conseguia retornar e assim o fez.
a rotina então lhe pareceu colorida, ótima.
havia dedicado horas para cuidar-se, para tocar-se.
cada dia um passo
para sentir de verdade, de dentro pra fora.
já é noite.
sorri e imagina um olhar mesclado de convicto e divagador.
ficará somente no fundo dos olhos o que dentro do corpo acontece.
ela já sabe como viver isso, um segredo entre ela e ela.
para a filha irá ensinar o que está aprendendo agora:
que sentimos de formas diferentes
que sentir não gera culpa, não tolhe
sentir liberta, faz voar, fortalece, dignifica, surpreende.
está pronta para seguir.
desliga a luz.
dorme.

quantas mulheres não se provam?
e dependem da boca do outro para saberem que sabor elas têm?
quantas mulheres não se tocam?
(texto de 2008)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

LúCiDo e LúDiCo

Texto que sintetiza 2008:
Com leituras cruzadas de prosa e de poesia, vivo o desencanto e tento reconstruir a mim mesma. Tenho sede de vida. É falso pensar que tenho domínio sobre as palavras, que posso manter distancia do que elas tentam me dizer. Igual a uma traça, me delicio com o toque do papel e o barulho das páginas. Engano-me propositalmente. Não quero ter o controle. As páginas me levam.
No silencio solitário da leitura percebo que um sentimento me faz companhia, ele está em mim há anos, um sentimento pleno e colorido que sabe mais de mim do que eu dele. Ele resolve aparecer ocupando meus pensamentos de forma transbordante e se dizendo digno de tomar conta de mim. Ele vem pisando firme, convicto, preponderante. Com medo, argumento a precipitação. Não sou ouvida. Ele manda, eu obedeço. Na tentativa de dominá-lo convido-o para estar comigo e ele aceita. De repente me sinto dominada, sobram palavras, perco a vontade de ler. Me perco.
O escuro potencializa meus sentidos e, mesmo tentando não entender o que sinto, meu corpo se rende pulsante e frágil ao desejo de roubar. Roubo, me apodero, quero todo o gosto, tudo comigo, dentro de mim.
Dou-me alguns direitos e, o melhor deles, é enfraquecer diante deste sentimento que se tornou consciente.
Ele é lúdico ou lúcido, ou lúcido por ser lúdico.
Lúdico sendo alegre e me fazendo sorrir a todo o momento, tendo em si todas as cores.
Lúcido por chegar na hora certa, se mostrar sem disfarces e com a intensidade devida, por ser parte de mim, por viver em mim sem posse.
O amor-próprio lúcido e lúdico. Um conhecido há anos que usualmente eu não deixava aparecer e, quando acontecia, rapidamente controlava sua participação.
O desencanto, no seu processo preto e branco, fez com que este amar surgisse tão forte. E a partir daí qualquer palavra lida nada mais é que um movimento voluntário de busca interna por ele. Agora retorno a leitura. Leio para ele, leio com ele.
Sorrio por fora, escancaradamente.
Não me interessa mais o controle.
Este encontro me fortalece.
Este encontro comigo mesma.

tocando a vida


De repente percebi que sigo tocando a vida.
E aqui, hoje, dezembro de 2007, começo a escrever sobre o tocar a vida daqui pra frente e sempre, dividindo esse colocar em movimento com o leitor imaginário, divagando nesta forma de silêncio acompanhado, sem preocupação com estilo ou forma.
Procuro expressar o sentimento da forma mais verdadeira possível, se é que podemos ser verdadeiros através de palavras. Sempre que as escrevo elas me manipulam escrevendo de uma forma a seduzir meu processo e a desviá-lo dos trilhos.
De qualquer forma necessito delas e, mais ainda, necessito escrevê-las.
Tocar a vida é também saber falar sobre ela.
Passo pela experiência de ter que tocar a vida, caso contrário seria atropelada por ela.
Tocar aqui é movimento, é precisar mais do que querer, é respirar mais do que caminhar.
Tocar é sentido, todos os sentidos.
Tocar com a ponta dos dedos, acariciar, permitir descobrir pelo toque, gravar nas digitais cada pedaço.
Tocar com a boca e com a língua, sentir cada gosto proporcionado, descobrir o prazer do gosto gostoso, lembrar do gosto que gostávamos, que era o predileto, antes mesmo de ser provado.
Tocar é música, daquelas que fazem levantar, sair e correr, tremer por dentro, cantar sozinha, dançar até suar, que escreve e descreve o vivido, que nos posiciona no tempo.
Tocar é sentir o cheiro da vida, do gozo, da pele, do lugar onde queremos estar, da casa de infância, do bolo no forno, da pele depois do sol, da chuva na grama.
Tocar é confirmar com o olhar o sentido para o qual caminhamos, que cor é o mundo, que forma e tamanho podemos suportar dentro da gente, é vetor, é fálico, é pulsante.
Com um frio na barriga, um medo louco, que fecha o corpo e desfalece, mas que renova e reergue, que sabe que não tem como parar e segue, sempre e inquieto, resolvo tocar a vida!
Compartilho aqui com os amigos que amo e toco, com os que amo e não permitem ser tocados, com os que tocam para mim, com os que tocam a vida, com os que tocam outros instrumentos, com aqueles que me tocam profundamente, outros que silenciam ao toque, com os que fogem, todos e cada um que com seu jeito de ser me ajudam a tocar a vida.
A coragem vem de uma delas, blogueira recente, que me fez abrir a gaveta e publicar meus textos.