quarta-feira, 18 de maio de 2011

E SE FOSSE EU?


Um amigo resolveu fazer o Caminho de Santiago. 
28 dias caminhando. Desencadeou em mim mil perguntas. E SE FOSSE EU? E se eu pudesse passar 30 dias comigo mesma?
Há anos desconheço o silêncio fora de mim. Talvez eu até tenha, desde sempre, um cantinho, dentro de mim, no qual me permito silenciar, mas fora não tenho. Apesar de saber que estaria caminhando grande parte do dia, tenho a sensação de que conseguiria parar um pouco esta velocidade enlouquecida de pensamentos, esta expectativa coletiva que exige que sejamos felizes, plenos, sem deixarmos de ser comuns, iguais, rotineiros e previsíveis. 
Nunca fui igual. Não tinha como ser igual sendo ruiva, branca, enquanto todas eram loiras, morenas e bronzeadas. Fui magérrima quando outras tinham curvas, fui quieta quando todos gritavam e escrevia quando ninguém lia. Sempre por dentro só, por fora acompanhada. Sem talento para o esporte, abandonando a música, emudecendo para ser escutada. Muitas vezes corri desesperadamente para que a porta não se fechasse, tentei segurar a mão dos que eu amava, mas eles morreram... tentei segurar o cheiro deles... Sempre numa cidade, nunca viajante, mesmo assim com a sensação que, de fato, não sou daqui. Às vezes escuto relatos de quem foi longe para se encontrar e penso o quanto já fui longe dentro de mim nesta mesma procura... Vejo que chegamos ao mesmo lugar.
Poder deixar tudo e caminhar olhando longe, segurando num cajado, poderia ser uma boa forma de deixar meus pensamentos repetitivos roucos, afônicos, inexistentes...
O que será que sonharia estando lá? Como seria a fome e a sede? Como meu corpo responderia? Que dor sentiria? Onde? O que conversaria comigo mesma ao som do nada, dos passos, do iPod? Levaria músicas? Que lembranças me preencheriam? Quais as que seriam recorrentes? Que imagens viriam primeiro e por quê? Quem de fato tem significado na minha vida? A quem dou nome e papel? O que faço por mim mesmo e o que faço para que os outros gostem de mim? Doação ou aceitação? De onde vem minha energia? Em que acredito? Será que rezaria todas as noites? Ou deitaria podre de cansada e nem me lembraria de rezar? Será que ficaria sem ligar para quem amo? Será que amo com desapego? Bem... talvez em 30 dias eu de fato percebesse o que sinto no coração, como escuto meu coração, como trato sentimentos como desapego, aceitação, perdão, culpa e ressentimento... ou não. Ou esqueceria a importância disso tudo e só caminharia. Será que conseguiria deixar isso tudo lá pelo caminho? Será que longe, neste lugar lotado de energia, eu conseguiria esvaziar gavetas, elaborar minhas perdas? Sentiria na pele a saudade da minha filha. Eternos muitos infindáveis dias se penso nela. Rápidos em relação a mim mesma. 
Faria amizades nas caminhadas, conversaria por horas, escreveria por tantas outras? Escutaria as várias histórias, os vários porquês? Penso que sim. Perceberia com prazer as feições, os olhares, e amaria profundamente cada um que me percebesse sem me pré-definir. Cada um que me enxergasse de cara lavada, rugas, olheiras, pés cansados, corpo quente. E cada toque das mãos, cada sorriso no percurso, cada lágrima percebida, faria eu me apaixonar pelo outro, por ele me deixar vê-lo sem couraça. Será mesmo que conseguiria ir desprovida de defesas? Ou ao menos baixá-las por lá? Será mesmo que seria capaz de perceber a energia do lugar? O que está nas entrelinhas? O que nos é sinalizado no comum? Certamente estaria de coração aberto, assim como estou atualmente, mesmo aqui numa mesma rua. Será que haveriam estrelas no céu? Ou cairia uma chuva danada de forte? E quanto tempo eu levaria para secar? Será que eu choraria junto com a chuva? Será que ainda teria lágrimas depois de tanto chorar? Como seria o amanhecer? O que me despertaria e me encheria de energia para mais um dia de caminhada? Seria de novo um desafio de resistência física e emocional? Que desafio haveria por trás deste propósito? Será que suportaria mais desafios do que tenho me provocado nos últimos anos? E os dias iriam passando, um a um, no seu inevitável ritmo... E eu? Passaria caminhando por eles, sentindo nas passadas os segundos ou nem perceberia as horas? O que deixaria lá de lembranças passadas para trazer de volta em novas imagens?  E daqui a 10 anos, o que desta caminhada iria querer ou iria poder lembrar?  Será que desta vez aprenderia a não ter estes controles todos? Será que eu conseguiria somente viver a caminhada e me permitir aproveitar a plenitude do agora? Lembrei das minhas meditações. Há alguns meses medito diariamente, procuro esvaziar o que é pensamento repetitivo e me organizar de forma produtiva, focando no que de fato agrega ou possa agregar no dia. Assim me conecto comigo, reforço minhas escolhas e sigo. Através disso surge mais leitura, mais escritos, mais vivências, e sigo meu caminho de desapego de várias necessidades aparentemente básicas e de pessoas que têm grande significado pra mim, mas que a recíproca não é verdadeira. Não julgar e desapego. Outros dois grandes e eternos exercícios... será que esta caminhada me ajudaria? Será que é importante ter respostas? Será que o caminhar por horas propiciaria muitas perguntas? Destas que a gente nunca se faz, por falta de tempo e de coragem? Será que eu conseguiria não me julgar em tais perguntas?
Em cada passada perceber o dia. Saber a hora de descansar. Saber a hora de seguir. Saber pedir ajuda. Saber escutar. Olhar os detalhes. Aproveitar o silêncio. Escolher seguir ou ficar. E agora, diante de tantas perguntas, basta seguir a caminhada e tentar respondê-las. A viagem até aqui já está ótima, já me sinto presenteada!!