O tão desejado e necessário silêncio está aqui comigo esta noite.
Chegou depois de um dia ensolarado, junto com as nuvens pretas, sinalizando temporal. Ele veio. A chuva não. Percebendo que eu precisava de carinho, me acompanhou a cada instante, me tocou e entrou em mim suavemente, profundamente. E ficou. Cá estou, eu e ele, sem trocar uma palavra, num calmo... Caos?! Não tenho como deixá-lo dentro de mim, não posso que fique dentro de mim, prefiro a chuva que pode chorar comigo longamente. Mas a chuva não vem... Preciso desidratar de tanto chorar, para me livrar deste caos... Nenhuma lágrima sai de mim. Sempre gostei da companhia dele, sempre necessitei silêncio por dentro, mas hoje não posso hospedá-lo, preciso esvaziar estas tantas palavras caóticas que insistentemente querem sair e atabalhoadamente querem dizer o que meu coração não suporta pensar. Tento ficar quieta, esperando as horas passarem, esperando as coisas acalmarem, me adequando a normalidade. Gestos calmos, palavras aveludadas, expectativas correspondidas, mulher educada e afável. Palavras bem colocadas, pensadas, estudadas. Tons pastéis, batom cor de boca, unhas nude, brilho no olhar, sonhos bons. Calmo, tudo calmo, tudo conforme esperado. O silencio acompanhado. Acompanhado e adequado. Casca. Isto tudo é pura casca. É preciso ver por baixo das cascas, mais próximo das entranhas, onde estão as partes em ebulição, onde os pensamentos se agitam e o estômago contorce. Lá de onde vem as lágrimas, os delírios, os desejos, os gritos. Onde moram as palavras vãs, onde elas gritam, explodem, atordoam, ignoram e vomitam como querem. Onde se esconde a inquietação, o ódio e a culpa, a insônia e a dor, a náusea e o desprezo. Por dentro do caos. Puro cansaço.
Caos calmo.
Convívio diário entre o silêncio e a tormenta. Tudo eu. Eu mãe e mulher, convivendo com a ausência de mim mesma e na procura do sentimento que rege este caos. Tentando, desesperadamente, entrelaçar o sombrio e a luz que há em mim, conseguindo juntar os cacos do meu eu frágil, colando um a um com prazer imenso, entendendo minhas formas, cada pedaço, cada história, cada suor. Parceiros de caminhada - silêncio e solidão, música e sol – balizadores de humor, balizadores de mim. Onde está o bom senso que tanto me faz companhia, porque se ausenta logo hoje que preciso da sua voz? Não gosto de ser cerceada, sou claustrofóbica. Não sou nada possessiva, totalmente presente, mas várias vezes ausente de mim. Sufoco se não falo o que sinto, sufoco se não tenho retorno de som. Eterno exercício de achar o som por dentro, briga pelo controle da voz, caos que alivia o calmo dia de sol, que move e desacomoda, que me faz diferente e viva, que pulsa e expulsa o que de calmo existe e de inerte persiste.
Há de fato quem pode escutar também lamentos? Há, entre tantos, os que suportam palavras mais cruas, os capazes de enxugar litros de lágrimas, de suportar o silêncio conosco, até que passe o caos e venha a calmaria? Ou será mais fácil o convívio nos dias de sol e casos engraçados? A presença dos cáusticos e sarcásticos me parece atraente, os corretos e bem educados ficarão para outra ocasião. Todos fazem parte de mim, mas nem todos fazem parte da mesma parte que se reparte aqui em fragmentos. Que fique claro - o silêncio é bom demais quando meu convidado. Mas quando entra porta a dentro e fica, delimitando a distancia do toque, tornando intransponível, fechando, lacrando qualquer possibilidade, preciso matá-lo. Vamos conversar...
às vezes o silêncio pode ser ensurdecedor...
ResponderExcluirAmei! Parabéns. Este texto traduz muitos, muitos dos meus sentimentos.
ResponderExcluir